“Anatomia de uma Queda”, que já trazia de Cannes uma Palma de Ouro, foi o filme mais votado do ano pelos membros da Academia de Cinema Europeu e conquistou este sábado à noite, em Berlim, as categorias de Melhor Filme, Melhor Realização (Justine Triet), Melhor Atriz (Sandra Hüller) e ainda Melhor Argumento, coassinado pela realizadora e pelo também cineasta (e seu companheiro na vida) Arthur Harari.
Com título inspirado no célebre “Anatomia de um Crime”, de Otto Preminger, o filme de Triet foi escrito durante a pandemia e partiu da ideia de um casal que se dá conta de que a relação não está a dar certo. No ecrã, acompanha-se a defesa em tribunal de uma mulher suspeita de ter empurrado o marido da varanda da casa isolada em que vivem. Não há testemunhas e, se ela matou o marido ou não, é assunto que a audiência terá que descobrir.
Justine Triet, em Berlim, nos Prémios do Cinema Europeu
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A alemã Sandra Hüller interpreta em francês o papel principal e, antes da rodagem, perguntou a Justine se a personagem era inocente ou culpada. Disse-lhe a realizadora que não sabia – mas disse-lhe também que gostava que a atriz a interpretasse acreditando que ela estava inocente. O filme tem data de estreia em Portugal marcada para 22 de fevereiro do próximo ano.
Sandra Hüller concorreu por dois papéis para a categoria de Melhor Atriz (facto raro, senão inédito) já que não foi esquecido o seu trabalho em “A Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer. “A Zona de Interesse” é uma adaptação livre do romance de Martin Amis e expõe-nos ao quotidiano familiar do nazi Rudolf Höss, diretor do campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, e da sua mulher, Hedwig Höss. Vivem com os cinco filhos, paredes-meias com o campo de extermínio. O filme de Glazer chegará a Portugal a 18 de janeiro.
Sandra Hüller concorreu por dois papéis para a categoria de Melhor Atriz por “Anatomia de uma Queda”, que lhe deu o prémio, e por “A Zona de Interesse”, de Jonathan Glazer
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O único dos principais prémios ‘a destoar’ foi o de Melhor Ator e distinguiu Mads Mikkelsen pelo seu trabalho em “The Promised Land”, de Nikolaj Arcel, produção dinamarquesa que competiu pelo Leão de Ouro em Veneza.
“Smoke Sauna Sisterhood”, documentário estónio e concorrente deste país báltico aos óscares, foi eleito o melhor documentário europeu do ano. A Melhor Animação é espanhola, “Robot Dreams”, e distinguiu o cineasta basco Pablo Berger, que jurou lutar por um maior reconhecimento desta área, citando Guillermo Del Toro. “O cinema de animação não é um género”, frisou. E poderia ter completado a ideia já que, de facto, há que ver a animação não como um género mas como uma técnica capaz de abranger todos os géneros (como qualquer outro filme).
Ao contrário de “Smoke Sauna Sisterhood”, “Robot Dreams” não tem estreia prevista no nosso país, quem sabe se a situação não se altera com o prémio deste sábado. Do país vizinho foi também homenageada a catalã Isabel Coixet com um prémio honorário pelo seu contributo ao cinema mundial. Já a Melhor Curta foi para a Áustria e para “Hardly Working”, corealizada por Susanna Flock, Robin Klengel, Leonhard Müllner e Michael Stumpf.
Na categoria de Melhor Descoberta do ano, organizada pela federação da crítica internacional (Fipresci), estavam algumas das propostas mais singulares do cinema europeu de 2023. Venceu “How To Have Sex”, da britânica Molly Manning Walker, que em maio passado já tinha conquistado a secção Un Certain Regard no Festival de Cannes.
A cerimónia na sala Arena de Berlin, cidade em que a Academia está sediada, dedicou um momento muito especial de homenagem ao grande cineasta húngaro Béla Tarr, autor de “O Tango de Satanás”, “As Harmonias de Werckmeister” e de “O Cavalo de Turim”, entre outros. Tarr defendeu em palco a liberdade “dos artistas e de todos nós”. Há coisas sem preço.
O segundo prémio honorário da noite foi para a atriz britânica Vanessa Redgrave, que por motivos de saúde não pôde estar em Berlim e agradeceu o troféu num vídeo gravado e em companhia da sua filha, a também atriz Joely Richardson.
Como se esperava, a cerimónia dos Prémios do Cinema Europeu pediu paz ao mundo e refletiu as maiores preocupações da Europa atual: as guerras na Ucrânia e no Médio Oriente e o flagelo da imigração clandestina. Um dos filmes envolvido nos prémios, “Green Border – Zona de Exclusão”, da polaca Agnieszka Holland (que substituiu recentemente Wim Wenders na presidência da Academia), trata diretamente deste assunto. Estreia-se na próxima semana em Portugal. Mas a noite foi de Justine Triet e de Sandra Hüller.